segunda-feira, 15 de outubro de 2012

No ônibus-avião do caminhoneiro



Santa Maria com destino a Porto Alegre. 18h. Sento-me confortavelmente na poltrona 12, corredor. Há tempos já não faço mais questão de sentar na janela, desde que não é mais permitido abri-las. Na hora da saída, a vantagem é sempre de quem está no corredor: o vivente é possuído por uma sensação de poder sobre o que está na janela: "pegaste a janela, ms eu posso travar tua saída", coisas de pessoas vingativas, não é o caso. Quando um ingênuo pum resolve passear pelo ônibus, já não há mais vantagem na janela, aliás, é decepcionante não poder abri-la nesse momento de angústia. Mas o que é um peido depois da invenção do diálogo?

- Em quanto tempo chega em Porto Alegre?
- Umas 4 horas, 4h e meia.
- Mas eu pedi pra eles calcularem o tempo. Não vai dar tempo. Eu pedi pra eles calcularem.
- O senhor vai pra onde?
- Vendinha (ou algo parecido), perto de Lajeado.
- Por que o senhor não pegou um Santa Cruz para Lajeado?
- Eles disseram que não tinha mais passagem. Eles querem é vender passagem. Esse ônibus tem que sair logo pra eu chegar, tomara que chegue voando. Já está atrasado pra sair. Tomara que saia logo pra dar tempo.
- (com esperança) O senhor ainda pode descer, já que o ônibus ainda não saiu.
- Não adianta, eu vou ter que ir de qualquer jeito. Vou pra Porto Alegre depois volto metade do caminho pra pegar meu caminhão. Ele só vai tá carregado as sete da manhã.
- (silêncio)
- Tomara que saia logo, já passou cinco minutos. Tomara que esse ônibus voe!
- Eles sempre dão esse tempo.
- Já tá atrasado, dá pra reclamar, mas não adianta. Tomara que esse ônibus vá voando.
- (silêncio emburrado).
- Não adianta reclamar, Ai, tá saindo, já tá atrasado. (pausa esperançosa para minha alegria) Mas não vai sair? Acho que agora vai. Tomara que voe!

Neste momento, abro o notebook para tentar trabalhar no meu texto, como se fosse possível. Por um momento de enorme ilusão, pensei que ao abrir o note, o desconfiômetro do ser ao lado seria automaticamente ligado. Falta de intuição maior nunca tive na vida.

 - Tomara que esse carro voe pra chegar logo e dar tempo.
 - (expressão de descontentamento acompanhada de suspiro irritado)
 - Eles só querem é vender passagem, não adianta, só querem vender passagem. Vou ter que pagar um hotel em Porto Alegre, uns 50, 60 reais, fazer o que. Tomara que esse ônibus voe!
 - (silêncio)

Ele finalmente para de falar. Eu, não tão tranquilamente e com dificuldade, faço retoques no texto em que estou trabalhando quando, de repente, me dou conta que em nenhum outro momento da vida o que eu escrevo fora tão interessante. Os olhos vidrados na tela do meu notebook. Invasão pouca é bobagem. Paro de escrever. Fecho a janela do meu texto e vou ler outro. Os olhos acompanham, não perdem nada. Tiro o outro texto, abro o facebook. O olhar vidrado na minha tela. Nenhum constrangimento. Nada, nadinha. Não cursou o módulo básico de comportamento no ônibus. Desisto. Fecho o notebook e finjo sono repentino. Viro a bunda gorda para o lado do vivente, com apenas um propósito: VINGANÇA! Mas por dez mil repolhos, flatos, onde estão vocês quando eu mais preciso? Nada. Nem sinal. A falta de sono me faz lembrar do início da conversa: "em quanto tempo chega em Porto Alegre? - 4h, 4h e meia"... 4h, 4h e meia...

TOMARA QUE ESSE ÔNIBUS VOE! TOMARA QUE ESSE ÔNIBUS VOE!


Beju da Gorda

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